Quem beneficia com o negócio do ópio afegão?

Mais de 95% do rendimento gerado pelo contrabando dos opiáceos vai para o crime organizado e instituições bancárias e financeiras. Apenas uma pequena percentagem chega aos agricultores e comerciantes do país produtor.


Michel Chossudovsky * - 24.10.06

As Nações Unidas anunciaram que o cultivo da papoila do ópio no Afeganistão aumentou dramaticamente e espera-se que cresça mais 59% em 2006. Estima-se que a produção de ópio tenha aumentado 49% em relação a 2005.

Os média ocidentais culparam em coro os Talibãs e os senhores da guerra. Disseram que a administração Bush estava empenhada na redução do negócio da droga afegã: “Os EUA são os maiores apoiantes de uma grande campanha para livrar o Afeganistão do ópio...”.

Não deixa de ser irónico porém, o facto de a presença militar norte-americana ter servido para restabelecer o negócio da droga ao invés de o erradicar.

O que os relatórios não dão conhecimento é o facto de o governo Talibã ter sido responsável pela implementação de um programa eficaz de erradicação de drogas, com o apoio e a colaboração da ONU.

Em 2000-2001, o programa Talibã de erradicação de drogas levou a um decréscimo de 94% do cultivo do ópio. Em 2001, de acordo com os dados da ONU, a produção do ópio caiu para as 185 toneladas. Imediatamente após a invasão levada a cabo pelos EUA em Outubro de 2001, a produção aumentou substancialmente, recuperando níveis históricos.

O Gabinete das Nações Unidas para o Controlo da Droga e Prevenção do Crime (UNODC), sediado em Viena, estima que em 2006 a colheita seja na ordem das 6.100 toneladas, 33 vezes mais do que os níveis de produção alcançados em 2001 durante o governo Talibã (um crescimento de 3.200% em 5 anos).

O cultivo em 2006 chegou a um recorde de 165.000 hectares comparados com os 104.000 em 2005 e 7.606 em 2001 sob o governo dos Talibã. (Ver quadro abaixo)

Negócio de biliões de dólares

De acordo com a ONU, o Afeganistão fornecerá em 2006 cerca de 92 % da oferta mundial do ópio usado para a produção de heroína.

A ONU estima que em 2006, a contribuição do negócio da droga para a economia Afegã situa-se na ordem dos 2,7 biliões de dólares. O que não é mencionado é o facto de mais de 95% do rendimento gerado por este contrabando lucrativo ir para as organizações de negócios, para o crime organizado e para as instituições bancárias e financeiras. Apenas uma pequena percentagem chega aos agricultores e comerciantes do país produtor. [1]

“A heroína afegã é vendida no mercado internacional de narcóticos por 100 vezes o preço que os agricultores recebem pelo ópio saído directamente dos campos.” (Departamento de Estado dos EUA citado pela Voice of America (VOA), 27 de Fevereiro de 2004).

Com base nos preços das vendas a grosso e a retalho nos mercados Ocidentais, os lucros gerados pelo negócio da droga afegã são colossais. Em Julho de 2006, os preços da heroína em Inglaterra eram da ordem das £ 54 ou USD 102 o grama.

Narcóticos nas Ruas da Europa Ocidental

Um quilo de ópio produz aproximadamente 100 gramas de heroína (pura). 6.100 toneladas de ópio permitem a produção de 1.220 toneladas de heroína com um grau de pureza de 50%.

A pureza média da heroína revendida pode variar, sendo de 36% o grau de pureza normal. Em Inglaterra, a pureza raramente ultrapassa os 50%, enquanto nos EUA pode andar na ordem dos 50-60%.

Com base na estrutura inglesa dos preços de retalho da heroína, o total dos lucros do mercado da heroína afegã andará à volta dos USD 124,4 biliões de dólares, pressupondo um grau de pureza de 50%. Assumindo um grau médio de pureza de 36%, ao preço médio inglês, o valor monetário das vendas da heroína afegã será na ordem dos USD 194,4 biliões de dólares.

Embora estes valores não constituam estimativas precisas, não deixam porém de dar conta da magnitude deste negócio de biliões de dólares fora do Afeganistão. Com base nos primeiros valores, que dão uma estimativa moderada, uma vez alcançados os mercados de revenda Ocidentais, o valor em dinheiro destas vendas é superior a USD 120 biliões de dólares por ano.

(Ver também as nossas estimativas detalhadas para 2003 em The Spoils of War: Afghanistan's Multibillion Dollar Heroin Trade, por Michel Chossudovsky. O UNODC estima um preço médio de retalho da heroína para 2004 à volta dos US$ 157 dólares a grama, com base no grau médio de pureza).

Narcóticos: Logo a Seguir ao Petróleo e ao Negócio das Drogas

As estimativas que se seguem são consistentes com a avaliação da ONU em relação à dimensão e à magnitude do mercado de droga global.

O negócio de opiáceos afegão (92% da produção Mundial) constitui uma grande parte da movimentação anual de narcóticos ao nível mundial, estimada pelas Nações Unidas em USD 400-500 biliões. (Douglas Keh, Drug Money in a Changing World, Technical document No. 4, 1998, Viena, Programa das Nações Unidas para o Controlo Internacional de Drogas (UNDCP), p. 4. Ver também do UNDCP, o Relatório do Controlo de Fronteiras Internacionais de Narcóticos para 1999, E/INCB/1999/1 Nações Unidas, Viena 1999, p. 49-51, e Richard Lapper, UN Fears Growth of Heroin Trade, Financial Times)

Com base em dados de 2003, o tráfico de drogas constitui “a terceira maior mercadoria global em termos de dinheiro, depois do petróleo e do negócio das armas.” (The Independent, 29 de Fevereiro 2004).

O Afeganistão e a Colômbia são as duas maiores economias produtoras de droga do mundo, que alimenta uma economia criminosa em crescimento. Estes países são fortemente militarizados. O negócio da droga é protegido. Está amplamente documentado o papel central da CIA no desenvolvimento do triângulo da droga latino-americano e Asiático.

O Fundo Monetário Internacional (FMI) estima que a lavagem global de dinheiro se situa entre os USD 590 biliões e 1.5 triliões de dólares ao ano, representando 2 a 5 % do PIB global. (Asian Banker, 15 de Agosto 2003). Uma grande fatia da lavagem global de dinheiro estimada pelo FMI está relacionada com o comércio de narcóticos.

Negócios Legais e Comércio Ilícito estão Interligados

Há poderosos interesses financeiros e de negócios por detrás dos narcóticos. Deste ponto de vista o controlo geo-político e militar das rotas da droga é tão estratégico como o petróleo e as condutas de petróleo.

Além disso, os números acima indicados, incluindo os da lavagem de dinheiro, confirmam que o grosso das receitas associadas ao comércio global de narcóticos não são apropriados por grupos de terroristas e pelos senhores da guerra, como sugere o relatório do UNODC. No caso do Afeganistão, o UNODC estima que apenas US$ 2.7 biliões de dólares representam receitas dentro do Afeganistão. De acordo com o Departamento de Estado dos EU “os lucros da droga afegã suportam os Talibãs e os seus actos terroristas contra os Estados Unidos, os seus aliados e o governo Afegão.” (declaração da subcomissão das operações estrangeiras, financiamentos de exportação e programas relacionados da House Appropriations. 12 de Setembro de 2006)

Contudo, o que destingue os narcóticos do comércio legal de mercadorias é o facto de os narcóticos serem uma importante fonte de criação de riqueza, não apenas para o crime organizado, mas também para o aparelho dos serviços de inteligência norte-americanos, que cada vez mais se constitui como um poderoso actor nas esferas da finança e da banca. Esta relação tem sido documentada em vários estudos, incluindo os textos de Alfred McCoy. (Drug Fallout: the CIA's Forty Year Complicity in the Narcotics Trade. The Progressive, 1 de Agosto de 1997).

Por outras palavras, serviços de inteligência, negócios poderosos, negociantes de drogas e crime organizado competem pelo controlo estratégico das rotas da heroína. Uma grande percentagem destas receitas de biliões de dólares são depositadas no sistema bancário ocidental. E grande parte dos bancos internacionais, em conjunto com as suas filiais nos paraísos bancários off-hore, lavam grandes quantias de narco-dólares.

Este comércio só pode prosperar se os principais actores envolvidos nos narcóticos tiverem “amigos políticos muito bem posicionados.” As actividades legais e ilegais estão fortemente interligadas, a linha divisória entre “pessoas de negócios” e criminosos é muito ténue. Por sua vez, as relações entre criminosos, políticos e membros dos serviços de inteligência corromperam as estruturas do Estado e o papel das suas instituições, incluindo a Militar.

Artigo relacionado: The Spoils of War: Afghanistan's Multibillion Dollar Heroin Trade, por Michel Chossudovsky, Julho de 2005


Quadro 1
Plantação da Papoila do Ópio no Afeganistão

Ano Plantação (hectares) Produção(toneladas)
1994 71,470 3,400
1995 53,759 2,300
1996 56,824 2,200
1997 58,416 2,800
1998 63,674 2,700
1999 90,983 4,600
2000 82,172 3,300
2001 7,606 185
2002 74,000 3400
2003 80,000 3600
2004 131,000 4200
2005 104,000 3800
2006 165,000** 6100**

Fonte: Nações Unidas,
O original deste artigo encontra-se em:
httpo://globalressearch.ca.index.php?context=viewArticle&code=CO200609212articleld=3294

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